Publicado no livro Figos maduros, Editora Literalis, 2010
Vou para minha terra no interior. Sigo pela estrada asfaltada. Em determinado momento, bate uma vontade de ir pelo atalho. Saio do trajeto principal e me embrenho pelo caminho de chão. Literalmente vou comer poeira.
O atalho que invento, e tão bem conheço, aumenta a distância. Chegarei mais tarde. Não importa. Sinto uma imensa necessidade e preciso saciar esta nostalgia temporona.
Apreciando a viagem, quero curtir cada momento, cada detalhe. Sinto que as pedras no caminho são flocos suaves, se comparados às vicissitudes do meu dia-a-dia.
Rodando, vagarosamente, subo e desço lombas. Passo por grotas e cafundós. Observo as matas. Vencendo curvas, o tempo flui…
Chego às margens do rio. A barca está do outro lado. Não me aflijo. Sobram-me preciosos instantes. Contemplo as águas se esgueirando mansamente entre as rochas. Fixo o olhar ao longe, num remanso. Imagino as corredeiras logo após a curva.
No meio do rio, o barqueiro traz a barca suavemente, mas com firmeza. Não tem pressa. Assim como o rio, ele parece conhecer alguma dimensão mais profunda do tempo.
Não vale a pena lutar contra a natureza. O tempo dá o ritmo. É uma luta inglória. É brigar com o destino… É perder sempre!
Com pressa, sempre procuramos atalhos para ganhar tempo e não nos damos conta que, logo à frente, a vida nos cobra caro. Não há atalhos possíveis. Temos que enfrentar o dia-a-dia. Consumir o cotidiano. Dar tempo ao tempo. Meandrando, contornando curvas. Assim como o rio.
O barqueiro, calejado pelos anos de prática nestas águas, conhece poços e baixios, as pedras, o canal. Jamais enfrenta a correnteza de frente. Ataca no flanco. Sem pressa. Com muito jeito e calma, leva a barca à margem segura.
Embarco e vou. Durante a travessia, viajo. Entro em outra dimensão, outra época, outros tempos, onde não perco tempo, ao contrário, ganho.
Quando finalmente aportamos na margem oposta, volto ao real, ao presente. Sinto que nesta viagem voltei no calendário. Fiz um atalho no tempo.
Sigo meu caminho com a alma leve. Trago comigo uma certeza: remocei!