Rio estressado

Tenho observado a natureza. Entre outras coisas que estão mudando, vejo nossos rios estressados. Por que será?
Nossas cidades, pastagens e lavouras, em sua maioria, eram áreas de mata nativa há anos. A chuva caía nas árvores, ia escorrendo de uma folha para outra, mais outra, até precipitar-se no solo. Aí, infiltrava-se, umedecia as raízes e a sobra, aos poucos, ia permeando, juntando-se, até brotar em uma vertente. Parte da água, quando a precipitação era muito forte, escorria logo sem infiltrar; isso produzia pequenas enchentes. Depois, as vertentes, água infiltrada, garantiam o abastecimento do regato por grandes períodos, até a próxima chuva.
Os rios nascem pequenos. São vertentes diminutas que vão se juntando, formando córregos, arroios, sangas, riachos e na soma grandes rios. Geralmente, as nascentes, que estão no alto dos morros e montanhas, surgem de onde ainda há um pouco de mato. Ainda bem que esses locais são de difícil acesso aos homens. À medida que o volume de água aumenta, surgem córregos que se precipitam, encaixados nas fraturas da rocha, formando cachoeiras, corredeiras. Tudo com muita energia.
Houve um tempo em que se expandiam na planície, onde soltavam os sedimentos, se desestressavam. Hoje, as planícies são habitadas. A civilização veio ocupar justamente o lugar onde o rio vinha amortecer sua energia trazida da montanha. Construíram aí as cidades. E mais, o homem desmatou as encostas e assim já não há folhas, árvores e raízes para atrasar o escorrimento da gota d’água. Para piorar, usa defensivos químicos para envenenar o que sobrou.
Impermeabilizamos grande parte das nascentes com telhados e asfalto, não deixando nem mesmo solo nu para infiltrar. Pior ainda, nas cidades, canalizamos rios e arroios, impedindo-os de se expandirem e obrigando-os a sumir rapidamente. Já não temos nascentes. Os rios já não brincam nas corredeiras, descem urrando; a água vem de uma só vez, não há retardo nem infiltração. Já não se expandem nas planícies onde, como o lendário Nilo, brincavam, fertilizando as margens, depositando seus sedimentos.
Em vez disso, o rio é canalizado para que rapidamente e escondido passe por nós, sujo, envergonhado, “ladrão-fujão”, para que vá procurar sua turma mais adiante, noutra praia, não nos causando problemas de inundação. Os sedimentos não depositados vão assorear os leitos mais adiante à jusante, entupindo suas artérias na fase senil, onde, teria o direito de fluir em paz, contemplativo, piscoso, sereno até o mar.
Tal como o ser humano, os rios estão estressados e as causas são bem conhecidas.
Escrito em Porto Alegre, 02 de outubro de 2009

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